A confissão perante o STJ
O
STJ noticiou, em 24/03/2013, uma série de decisões daquela Corte a respeito da
confissão do acusado no processo penal e sua relevância para o deslinde dele.
Assim, em diversos julgado entendeu ser relevante e digna de valoração, para
fins de redução da pena a ser imposta, a confissão do acusado, mormente aquela
que for levada em consideração na fundamentação do decreto condenatório.
Entendemos correto e acertado as decisões abaixo comentadas
e esposadas, à exceção daquela que se refere ao não reconhecimento da confissão
qualificada, ou seja, da confissão do acusado que, embora reconheça a conduta
imputada, alega que a praticou em legítima defesa.
Não concordamos por diversos motivos: qual o fundamento
legal que atesta tal incompatibilidade? E o direito de autodefesa, como fica em
tal situação? A atuação em legítima defesa não seria um interpretação dos dados
objetivos expostos pelas proas produzidas nos autos, entre elas a confissão?;
como então não reconhecê-la em casos tais se o seu acatamento é fruto da
negação do preenchimento dos requisitos legais na forma narrada pelo acusado?
Entre tantos outros motivos...
Por isso, a par da exceção referida, anuímos aos demais
entendimentos do STJ abaixo.
Também ressaltamos a beleza do voto da Desembargadora Convocada
Jane Silva a respeito da confissão e de seus consectários para o processo
penal. A nosso sentir, foi ela a responsável por esse novo paradigma a respeito
da confissão perante o STJ! Digno de louvores seu entendimento e sua árdua defesa
perante aquela Corte no breve, mas profícuo, período em que lá esteve.
Boa leitura!
Assumindo
os próprios erros: a importância da confissão espontânea no processo penal
(fonte: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=109034)
Reconhecer
a autoria do crime é atitude de especial relevância para o Judiciário. O réu
pode contar com a atenuante da pena e colaborar com as investigações em curso.
Pode contribuir ainda com um julgamento mais célere e com a verdade dos fatos.
Mas em que circunstâncias a admissão do crime implica realmente benefício para
o culpado e qual a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o
assunto?
O artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal dispõe que a confissão
espontânea de autoria do crime é circunstância que atenua a pena. Assim,
aqueles que, em tese, admitirem a autoria do fato em presença de uma autoridade
terá como prêmio uma pena mais branda. O primeiro elemento exigido pela lei,
então, é a confissão ser voluntária; a segunda é que seja em presença de
autoridade.
A autoridade pode ser tanto o delegado de polícia, o magistrado ou o
representante do Ministério Público. É entendimento do STJ que não cabe ao
magistrado fazer especulações sobre os motivos que conduziram o réu a admitir a
culpa. A jurisprudência dispõe que a confissão, prevista no texto da lei, é de
caráter meramente objetivo. Isso significa que o acusado não precisa apresentar
motivação específica ou qualquer outro requisito subjetivo para sua
caracterização (HC 129.278).
Arrependimento
O STJ entende que pouco importa o arrependimento ou a existência de interesse
pessoal do réu ao admitir a culpa. A atenuante tem função objetiva e pragmática
de colaborar com a verdade, facilitando a atuação do Poder Judiciário. “A confissão
espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a
motivos ou circunstâncias que a determinaram,” assinalou o ministro Paulo
Gallotti, ao apreciar um habeas corpus de Mato Grosso do Sul (HC 22.927).
É entendimento também do STJ de que não importa se o réu assumiu parcial ou
totalmente o crime ou mesmo se houve retratação posterior. “Se a confissão na
fase inquisitorial, posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto
condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do artigo 65, III,
alínea d, do CP”, assinalou a ministra Laurita Vaz em um de seus julgados. (HC
186.375).
“A confissão, realizada diante de autoridade policial quanto a um delito de
roubo, mesmo que posteriormente retratada em juízo, é suficiente para incidir a
atenuante quando expressamente utilizada para a formação do convencimento do
julgador”, assinalou o ministro Jorge Mussi em um julgado. Segundo ele, pouco
importa se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial
(HC 217.687).
Os magistrados entendem que a lei não faz ressalva em relação à maneira como o
agente pronunciou a confissão. A única exigência legal, segundo a Corte, é que
essa atenuante seja levada em consideração pelo magistrado quando da fixação da
pena (HC 479.50). Mesmo havendo retratação em juízo, segundo o STJ, se o
magistrado usar da confissão retratada como base para o reconhecimento da
autoria do crime, essa circunstância deve ser levada em consideração no momento
da dosimetria da pena (HC 107.310).
Confissão qualificada
O STJ tem se posicionado no sentido de que não cabe a atenuante em casos de
confissão qualificada – aquela em que o acusado admite a autoria, mas alega ter
sido acobertado por causa excludente da ilicitude. É o caso de um réu confessar
o crime, mas alegar que agiu em legítima defesa.
Isso porque, segundo uma decisão da Sexta Turma, nesses casos, o acusado não
estaria propriamente colaborando para a elucidação do crime, mas agindo no
exercício de autodefesa (REsp 999.783).
Na análise de um habeas corpus oriundo do Rio Grande do Sul, a Quinta Turma
reiterou o entendimento de que a confissão qualificada não acarreta o
reconhecimento da atenuante. No caso, um réu atirou em policiais quando da
ordem de prisão, mas não admitiu o dolo, alegando legítima defesa (HC 129.278).
“A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas
descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da
atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal”,
sustentou a ministra Laurita Vaz, na ocasião do julgamento. A versão dos fatos
apresentada pelo réu não foi utilizada para embasar sua condenação.
Personalidade do réu
A atenuante da confissão, segundo decisões de alguns ministros, tem estreita
relação com a personalidade do agente. Aquele que assume o erro praticado, de
forma espontânea – ou a autoria de crime que era ignorado ou atribuído a outro
– denota possuir sentimentos morais que o diferenciam dos demais.
É no que acredita a desembargadora Jane Silva, que atuou em Turma criminal no
STJ, defendendo a seguinte posição: “Penso que aquele que confessa o crime tem
um atributo especial na sua personalidade”, defendeu ela, “pois ou quer evitar
que um inocente seja castigado de forma não merecida ou se arrependeu
sinceramente”. E, mesmo não se arrependendo, segundo a desembargadora, o réu
merece atenuação da pena, pois reconhece a ação da Justiça – “à qual se
sujeita”, colaborando com ela.
A desembargadora definiu a personalidade como conjunto de atributos que cada
indivíduo tem e desenvolve ao longo da vida até atingir a maturidade;
diferentemente do caráter, que, segundo ela, é mutável. Dessa forma, o réu que
confessa espontaneamente o crime "revela uma personalidade tendente à
ressocialização, pois demonstra que é capaz de assumir a prática de seus atos,
ainda que tal confissão, às vezes, resulte em seu prejuízo, bem como se mostra
capaz de assumir as consequências que o ato criminoso gerou, facilitando a
execução da pena que lhe é imposta” (REsp 1.012.187).
Reincidência
No Brasil, conforme previsão do artigo 68 do Código Penal, o juiz, no momento
de estabelecer a pena de prisão, adota o chamado sistema trifásico, em que
primeiro define a pena-base (com fundamento nos dados elementares do artigo 59:
culpabilidade, antecedentes, motivação, consequências etc.), depois faz incidir
as circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61 a 66) e, por último, leva
em conta as causas de aumento ou de diminuição da pena.
A Terceira Seção decidiu em maio do ano passado, por maioria de votos, que, na
dosimetria da pena, devem ser compensadas a atenuante da confissão espontânea e
a agravante da reincidência, por serem igualmente preponderantes. A questão
consistia em definir se a agravante da reincidência teria maior relevo ou se
equivalia à atenuante da confissão. A solução foi dada com o voto de desempate
da ministra Maria Thereza de Assis Moura (EREsp 1.154.752)
Segundo explicação do desembargador convocado Adilson Macabu, proferida no
curso do julgamento, o artigo 65 do Código Penal prevê as circunstâncias
favoráveis que sempre atenuam a pena, sem qualquer ressalva, e, em seguida, o
artigo 67 determina uma agravante que prepondera sobre as atenuantes. Os
ministros consideraram na ocasião do julgamento da Terceira Seção que, se a
reincidência sempre preponderasse sobre a confissão, seria mais vantajoso ao
acusado não confessar o crime e, portanto, não auxiliar a Justiça.
O entendimento consolidado na ocasião é que a confissão revela traço da
personalidade do agente, indicando o seu arrependimento e o desejo de emenda.
Assim, nos termos do artigo 67 do CP, o peso entre a confissão – que diz
respeito à personalidade do agente – e a reincidência – expressamente prevista
no referido artigo como circunstância preponderante – deve ser o mesmo. Daí a
possibilidade de compensação.
Autoincriminação
No julgamento de um habeas corpus em que aplicou a tese firmada pela Terceira
Seção, o desembargador Adilson Macabu considerou que a confissão acarreta
“economia e celeridade processuais pela dispensa da prática dos atos que possam
ser considerados desnecessários ao deslinde da questão”. Também acrescentou que
ela acarreta segurança material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a
condenação reflete, de maneira inequívoca, a verdade real, buscada
inexoravelmente pelo processo (HC 194.189).
O magistrado destacou que a escolha do réu ao confessar a conduta “demonstra
sua abdicação da proteção constitucional para praticar ato contrário ao seu interesse
processual e criminal”, já que a Constituição garante ao acusado o direito ao
silêncio e o direito de não se autoincriminar. “Por isso deve ser devidamente
valorada e premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de
suas responsabilidades penais”, concluiu Macabu.
Condenação anterior
No julgamento de um habeas corpus, contudo, a Quinta Turma do STJ adotou o
entendimento de que, constatado que o réu possui condenação anterior por
idêntico delito, geradora de reincidência, e que há uma segunda agravante
reconhecida em seu desfavor (no caso, crime cometido contra maior de 60 anos),
não há constrangimento ilegal na negativa de compensação das circunstâncias
legais agravadoras com a atenuante da confissão espontânea (HC 183.791).
Sobre o tema, o STJ tem entendimento de que a atenuante da confissão espontânea
não reduz pena definida no mínimo legal, nem mesmo que seja de forma
provisória. A matéria se enquadra na Súmula 231, do STJ.
Flagrante
Em relação à atenuante quando da ocorrência da prisão em flagrante ou quando há
provas suficientes nos autos que possam antecipadamente comprovar a autoria, as
Turmas criminais do STJ entendem que “a prisão em flagrante, por si só, não
constitui fundamento suficiente para afastar a incidência da confissão
espontânea”. Com isso, foi reformada a decisão proferida pela instância
inferior (HC 68.010).
Em um caso analisado pelo STJ, um réu foi flagrado transportando 6,04 quilos de
cocaína e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), na análise de
fixação da pena, não considerou a atenuante da confissão espontânea, ao
argumento de que o réu foi preso em flagrante (REsp 816.375).
Em outra decisão, sobre o mesmo tema, a Quinta Turma reiterou a posição de que
“a confissão espontânea configura-se tão somente pelo reconhecimento do acusado
em juízo da autoria do delito, pouco importando se o conjunto probatório é
suficiente para demonstrá-la ou que o réu tenha se arrependido da infração que
praticou” (HC 31.175).